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22º CINE CEARÁ / Crítica – arretado CINEMA PARADISO brasileiro

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 Em Cine Holliúdy, que encerra hoje, 8, o Cine Ceará, Halder Gomes faz uma homenagem aos apaixonados pelo cinema, ressalta a linguagem popular nordestina e recorda, em tom de lamento, do fechamento dos cinemas no interior do Estado e do país. Halder faz, também, uma exaltação à cearensidade

Em seus curtos 115 anos de existência, o cinema tem sido tema de si mesmo nas mais diferentes vertentes. No entanto, pouquíssimos filmes trataram da crise vivida pelo cinema – ou mais diretamente, pelos exibidores – nos anos 60 e 70, a partir da chegada da televisão nas mais remotas localidades dos países, o que representou a decadência do circuito exibidor a nível mundial. Essa crise vivida pelos cinemas (as salas exibidoras) encontra-se registrada com maestria em três obras-primas. Assim como nos EUA de A Última Sessão de Cinema (1971), de Peter Bogdanovich, e na Itália de Cinema Paradiso (1988), de Giuseppe Tornatore, e de Splendor (1989), de Ettore Scola, o cinema viveu esse momento de crise também no Brasil.

Na verdade, essa crise, iniciada nos EUA na segunda metade dos anos 50, progressivamente avançou pelo mundo nas duas décadas seguintes, quando as cidades do interior foram fechando os seus cinemas. Como resultado e consequência, a partir dos anos 80 chegou a vez dos solitários cinemas de rua. Hoje, se não tem shopping na cidade, não tem cinema.

É nesse contexto que agora se insere Cine Holliúdy, película de Halder Gomes, originalmente nascida de um de seus curtas, O Astista Contra o Caba do Mal, premiadíssimo em diversos festivais nacionais e internacionais. Podemos colocar Cine Holliúdy como o 4º filme da história do Cinema (caso existam outros, por favor, que me sejam apresentados) a abordar a crise que gerou a decadência nas pequenas cidades interioranas, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo.

Um filme sobre duas famílias

Halder aborda a paixão de um homem,  Francisgleydisson (Edmilson Filho), pelo cinema através de uma visão familiar, na qual o amor comanda as relações de compreensão e entendimento de seus personagens. Esse é o detalhe inicial, a questão da família que procura preservar os seus dons. No caso, a de Francisgleydisson.

Mas, o enredo de Halder tem essa família apenas como base para os seus personagens centrais – Francisgleydisson, sua mulher Maria das Graças (Miriam Freeland) e o filho (Joel Gomes). No entanto, é importante observar em Cine Holliúdy é a composição de uma outra família, a “grande família interiorana”,  composta por personagens reais recortados da infância do diretor na sertaneja Senador Pompeu.

Estão lá, no filme, figuras tradicionais como os políticos safados, a pivetada com seus pequenos rancores, as espertas falsas “autoridades”, os padres, os baitolas, charlatães e oportunistas, enfim, uma galeria de personagens do cenário interiorano nordestino. Na observação, Halder vai apresentando um a um esses personagens até reuni-los, todos, na primeira sessão de cinema na pacata Pacatuba, levada a cabo por Francisgleydisson.

Alguns desses personagens chegam, na exposição, à beira do caricato e da galhofa. Mas, ninguém se deixe enganar, é essa mesmo a realidade da cultura interiorana cearense e quiçá, nordestina, na qual qualquer particularidade de uma pessoa, seja ela qual for, ganha rapidamente um apelido ou a gozação atroz. Qualquer um pode ser caso de pilhéria e olhares atravessados – como expressam Falcão, João Netto (o Zé Modesto) e o grande Ary Sherlock através de seus personagens na tela.

Atentem que o elemento expressamente vivo no filme de Halder Gomes é a cultura popular nordestina, particularmente o linguajar “cearensês”, o qual ganha relevância com dezenas de citações dos palavreados típicos da terra – espilicute, catrevagém, leriado, amofinado, ciço, abaytolado, e por aí vai –, cujo sentido até necessita de um “dicionário” para ser compreendido. Halder, portanto, não esquecer do Dicionário de Cearensês, seja o do Rogério Cavalcante, do Marcus Gadelha ou do Nivardo C. Nepomuceno.

Contudo, em nenhum momento, Cine Holliúdy deixa de ter um caráter universal. Tudo o que está lá, no filme, é perfeitamente compreendido através do poder de comunicabilidade com o grande público, especialmente a partir da entrada de Edmilson Filho no palco para concluir o filme através da velha tradição oral que deu origem ao cinema lá nos confins do passado do tempo.

Cine Holliúdy ressente-se, sim, de um maior dinamismo, mas isso fica em segundo plano quando Halder mantém seu filme sempre em um nível de ascensão, o qual se consuma quando o cativante Francisgleydisson assume no palco/tela a função de condutor e narrador do filme que deixou de ser projetado.

Cine Holliúdy é o cinema em seu puro estado de magia, de fascínio e comunicabilidade. É caticante a cena em que os espectadores saem do cinema aplicando golpes de karatê. E, como instante de influência e emoção que o cinema tem como poder de envolver as pessoas, o trecho de um pretenso filme romântico, o qual enternece as mulheres enquanto a macharada exige o filme de kung fu.

Daí, Cine Holliúdy é um filme que, para ser devidamente apreciado, precisa ser percebido em seus pequenos e fundamentais detalhes. Sua intenção não é dar retoque intelectual de um enredo sobre a decadência dos cinemas das cidades do interior nordestino dos anos 70, mas de expor essa tragédia cultural como reflexão, tendo a recordação do passado, de como isso aconteceu, de forma jocosa, hilária e escrachada.

O Cinema não é lenda… Cine Holliúdy está aí para provar.

Ficha técnica

Cine Holliúdy (Brasil/Ceará, 2012), de Halder Gomes. Com Edmilson Filho, Miriam Freeland, Joel Gomes, Fiorella Mattheis, Falcão, Ar Sherlock e João Netto. 91 minutos.

Cine Holliúdy ainda não tem trailer.

 

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